A química que constrange a vida – breve história da indústria química

A história da química contemporânea precisa ser melhor contada, para termos a noção do poder planetário desse setor industrial, bem como percebermos a construção da cultura da química de síntese, da química de patente. A química que nasceu no final do Século XIX, não surgiu com o foco no conhecimento dos processos químicos da vida e da natureza. Seu foco foi outro, justamente o de bypassar a natureza e criar uma "outra natureza". Mais do que isso, acabou tomando um rumo anti-vida, e vem progressivamente pressionando a vida no planeta.

Não diria que a química nasceu com o propósito de ser contra a vida. Penso ser consequência de um determinado estilo de pensamento, que promoveu o reducionismo químico, e não conseguiu, nem ainda consegue, entender os processos vitais. Ou seja, reduz os processos vitais às reações químicas. Esse reducionismo foi agravado com o "sucesso" da química de síntese - a química sintética ganhou status de "criador", um semideus. O que vem a confirmar a profética frase dos químicos franceses Lorraint e Bertholet, do início da era química: "de agora em diante a medicina terá que se render à química, essa estranha ciência que prescinde da natureza e cria a sua natureza".

O inicio da indústria química se deu no desenvolvimento da síntese química da pólvora, que substituiu o salitre.

As guerras na Europa eram decididas, antes disso, pelo estoque que cada país tinha de salitre do Chile. Não é por acaso, que a armada inglesa tinha uma base na ilhas Malvinas, na saída dos navios do porto chileno de Valparaiso.

O alemão Carl Bosch, em 1915, conseguiu a síntese química da amônia, matéria prima da pólvora, pelo método de alta pressão. A partir daí, a indústria química alemã passou a ser a fornecedora de um único cliente – o exercito alemão.

A primeira guerra mundial já teve forte participação da indústria química, com o uso de várias armas químicas. Foi uma verdadeira carnificina, que obrigou a realização de um tratado contra a guerra química. O exército alemão abriu cerca de 5.000 cilindros de gás de Cloro e, provavelmente, outros gases tóxicos, na frente de Ypres, Bélgica. Cerca de 10 mil soldados franceses caíram desacordados e cerca 5 mil morreram. As baixas alemãs (fogo amigo) não foram comunicadas, mas devem ter sido também expressivas.

A segunda guerra, teve as digitais da indústria química, desde o início da conspiração nazista. Maior prova disso foi o julgamento de Nüemberg, que, praticamente, só julgou crimes dos diretores do cartel químico alemão IG Farben. O almirante Telford Taylor, que presidiu o julgamento, disse textualmente na abertura da sua peça acusatória: “Se não houvesse o cartel químico alemão, não teria havido a segunda guerra.”

As ações do cartel químico se estenderam aos campos de concentração, muitos deles usados como campo de experimentação da indústria química. O maior deles foi o de Aushwitz, já montado com esse propósito, pois ao lado do campo de concentração, foi construída a maior planta industrial da IG Farben. Eram ligados por um túnel subterrâneo. Usou os presidiários como mão de obra escrava e cobaias.

Fico surpreso quando comento essa informação com judeus, filhos de famílias perseguidas, e a maioria desconhece a participação da indústria química e farmacêutica na segunda guerra. Isso revela a competência do public relation (PR) dessa indústria.

Aliás, a segunda guerra foi um momento de grande impulsão da indústria química. Se houve setores vencedores, na segunda guerra, certamente a indústria química e farmacêutica está entre eles.

A indústria farmacêutica, no pós segunda guerra, não encontrou mais resistências ao seu grande projeto de tornar a droga sintética como terapêutica única na medicina. Ou seja, a estratégia de tornar a droga sintética patenteada na única terapêutica válida na medicina..

Foi a escola funcional na medicina quem resistiu ao sistema de pensamento da teoria do germe de Pasteur, Koch e Ehrlich. A teoria do germe é a grande patrona da entrada da química sintética na medicina, através da construção da concepção que, até hoje, domina o pensamento médico: um agente específico - uma doença específica - uma substância química específica estranha ao organismo, produzida por síntese química, e patenteada.

Depois da pólvora, veio a síntese dos corantes, berço da indústria farmacêutica (Färbe quer dizer cor/corante em alemão). Os corantes foram logo transformados em substâncias terapêuticas, através do conceito de afinidade de Ehrlich. A sulfa (anilina amarela) foi a primeira delas, seguida das drogas sintomáticas. A aspirina trouxe enormes ganhos para o cartel alemão, e deu-lhe fôlego para as suas conquistas e aventuras bélicas.

A derrota do nazismo afetou a composição acionária e o poder do cartel alemão, mas a indústria química se expandiu como nunca na era da petroquímica.

Quando os diretores do cartel químico alemão perceberam a derrota de Hitler, buscaram um acordo com os americanos e ingleses, com a participação acionária, desses, no cartel. Isso explica a não destruição de uma única planta industrial da IG Farben pelos bombardeios da aviação aliada (EUA/Inglaterra).

Sem qualquer capacidade de resistência por parte do pensamento médico funcional, a indústria farmacêutica construiu um poderoso setor de public relation (PR), e usou o poder do Estado para criar e dominar agências reguladoras como o FDA e congêneres. Construiu a mais poderosa entidade lobista dos EUA - a associação médica americana (AMA).

É lamentável o estado da cultura médica das pessoas em geral, independente de classe social. Chegamos ao estágio de ter uma cultura, que considera ser um sintoma, ou um adoecimento, a falta de uma substância química sintética – hipertensão por falta de anti-hipertensivo; dor por falta de analgésico.

Par e passo com o desenvolvimento do setor bélico e farmacêutico, a indústria química avançou também sobre a produção de alimentos – adubos químicos, pesticidas, herbicidas, sementes geneticamente modificadas.

Estabeleceu, junto com a medicina, a noção de higiene, e influenciou o conceito de limpo e sujo. A partir daí, as noções de limpo e sujo são dadas pelo pensamento químico. Para se ter a ideia do peso econômico desse comportamento, calcula-se que metade dos custos, de uma família, num supermercado, se dá pelo consumo de produtos de limpeza, em grande medida, produtos completamente desnecessários e, na maioria das vezes, prejudiciais à saúde individual e ambiental

Por último, a forte participação da indústria química na indústria alimentar. Um alimento processado da indústria alimentar tem, na sua composição, várias substâncias sintetizadas e produzidas pela indústria química.

Obviamente, todo esse padrão de desenvolvimento da indústria química se deu no ambiente politicoeconomico e cultural do período. A matriz dessa cultura foi e continua sendo a teoria do germe – teoria mecanicista e reducionista, que é a principal teoria da medicina oficial.

Creio que consigo mostrar ao leitor, em poucas palavras, o erro e a insustentabilidade da teoria do germe.

Pasteur, Koch e Ehrlich, patronos da teoria do germe, pensavam que tecido saudável era tecido estéril, e buscaram, de todas as formas, derrotar as bactérias que invadissem o organismo estéril, logicamente com a arma da química sintética.

Ora, já se sabia sobre o fenômeno da simbiose, mas o pensamento químico de então não deu ouvidos, para não entrar em contradição e, negou, na prática, a simbiose. Se a simbiose, na época de Pasteur, já colocava em cheque a teoria do germe, os avanços recentes da genética, da epigenética, e do conhecimento sobre o microbioma humano a colocou praticamente fora de combate.

A vida no planeta é uma obra das bactérias. Os seres vivos são produtos da simbiose entre as bactérias e a proto-célula. Não existe mais dúvidas sobre esses fatos, qualquer aluno de biologia deveria saber disso. A cultura atual planetária, continua dominada pelo criacionismo, pelos darwinismo e neodarwinismo em relação à gênese e desenvolvimento da vida, e pela teoria do germe na explicação do adoecimento. Ambas, claramente, teorias anti-simbiose

Cabe aqui salientar um erro comum das ciências simplificadoras/reducionistas. Esses sistemas de pensamento são capazes de criar uma teoria que não guarda relação lógica com o objeto real, que não respeita a natureza e as leis dos sistemas vivos.

Esse é o caso da teoria do germe, em que se criou uma teoria anti-simbiose para explicar o adoecimento de um organismo que nasceu da simbiose; uma teoria antibacteriana para um organismo composto em mais de 90% pelas bactérias.

É evidente que essa teoria está errada, e as conseqüências estão aí para todos verem, pois o custo de um erro não costuma aparecer no inicio, devido a capacidade de regulação e compensação dos sistemas vivos.

Para termos uma ideia mais próxima da complexidade do problema, o destacado microbiologista Stuart Levy, EUA, disse ser o antibiótico: “talvez, a mais poderosa força evolucionária ocorrida no planeta, em bilhões de anos”. Não tivemos o menor escrúpulo em usá-lo irresponsavelmente, as conseqüência não tardaram aparecer.

A pressão sobre a vida no planeta, exercida pela indústria química, necessita ser estancada, pois os custos já se tornaram insustentáveis em todos os níveis.

A medicina, que através da teoria do germe, pavimentou o caminho da indústria farmacêutica de síntese, está agora desafiada a construir uma nova doutrina médica. Essa doutrina deverá, em primeiro lugar, respeitar o fenômeno da simbiose no planeta e nos sistemas vivos, pois essa é a natureza dos sistemas vivos. Se uma teoria/doutrina agride essa condição, ela deve ser descartada, pelo simples motivo de estar errada.

Mas, a indústria químicofarmacêutica, com seu enorme poder, não permite o sepultamento da teoria do germe. Carrega esse cadáver insepulto, destruindo cada vez mais a teia da vida no planeta.

Por seu lado, a medicina, pressionada pelo aparato institucional, comandado pela indústria farmacêutica, não consegue produzir uma autocrítica sobre o enorme erro de ter aderido à teoria do germe, e poder avançar em direção a uma cultura médica de respeito à simbiose.

Qual a sustentabilidade desse modelo de produção de alimentos baseado nas monoculturas, usuárias intensivas de química tóxica, para alimentar animais confinados? Como pode haver uma ciência que chancele esse de modelo de produção de alimentos?

Esse tipo de negócio pressiona os nossos biomas, reservatórios de diversidade, e ameaça o futuro das novas gerações. Os custos, ambientais e sociais, desse modelo de agronegócio, supera em muito as divisas que ele internaliza. A conta será paga por toda a sociedade, sem falar na crise hídrica gerada pela exploração desenfreada do Cerrado.

Não existe qualquer dado confiável que dê suporte a afirmativa do agronegócio de que só esse modelo é capaz de produzir alimentos baratos. Tese sustentada politicamente pela lobbista do agronegócio/Monsanto, senadora Kátia Abreu, de que "alimento barato tem que ter veneno".

Qual a sustentabilidade da medicina alopática, usuária intensiva de exames e de prescrição com drogas sintéticas supressoras de sintomas? Como ser sustentável uma medicina que traz em seu currículo não saber a causa ou as causas (idiopatia) de 90% do adoecimento atual?

Poucos têm a informação do poderio, das artimanhas, e da forte ligação da indústria química com a destruição e a morte. A recente estratégia de fusão entre a Bayer e a Monsanto, é um enorme sinal de alerta para quem conhece minimamente esse setor. Revela que o DNA da indústria química, continua o mesmo. Aliás, os diretores da IG Farben, condenados no julgamento de Nüemberg, ficaram menos de 5 anos na prisão. Foram liberados, e logo aproveitados pela indústria química, agora na era do quarto Reich. (Mathias Rath)

A única arma que o campo ético possui, é a da informação, e consciência da necessidade de mudança do estilo de vida, que demanda os produtos da indústria químicofarmacêutica, pois trata-se de uma cultura anti-vida. Os líderes de hoje, deveriam ter a percepção dessa ameaça, para poder informar a população, e ter condições de forçar um recuo, um pacto ético, da indústria química com a vida. Uma química que respeite a vida. Seria isso possível?