Medicina Intervencionista - a agressão ao tempo do Organismo
Eduardo Almeida, MD, PhD
Assistimos hoje um processo que chamamos de medicalização da sociedade. A instituição médica, a medicina dominante se apresenta como a única expert em saúde, à qual todas as pessoas devem recorrer em suas demandas de saúde, para que ela faça a avaliação, o diagnóstico e as prescrições.
É um verdadeiro processo de expropriação, pois o indivíduo é expropriado da capacidade que tem de sentir o próprio corpo, de avaliar o que está se passando com ele, e de ter uma percepção de como deve se comportar diante dos problemas de saúde do dia-a-dia. A cultura imposta pela medicina dominante resulta na chamada iatrogênese social. Ivan Illich expôs claramente essa situação na década de 60, especialmente em seu livro Nêmesis da Medicina, que se tornou um clássico, onde previu o que viria a acontecer. Hoje vivemos numa sociedade totalmente medicalizada, em que o processo de expropriação já se sedimentou.
As pessoas se tornaram incapazes de lidar com os problemas mais banais de saúde. Imobilizadas pelo medo e carentes de recursos, recorrem ao sistema de atendimento médico por questões banais. Essa busca frenética de atendimento é também uma faca de dois gumes para a instituição oficial, pois nenhum sistema médico do mundo tem a capacidade de atender a todas essas demandas. Quando uma epidemia de gripe ou uma virose provoca uma corrida ao atendimento médico, o tamanho desse sistema precisa ser multiplicado, diante da pressão crescente da demanda do público. As decisões que vêm sendo tomadas em organizações oficiais para controlar a situação, são remendos que não surtem efeitos. O caminho certo é reeducar o público, é proporcionar às pessoas um mínimo de cultura médica, para que saibam se comportar diante dos problemas banais ou passageiros de saúde.
Aqui no Brasil se construiu um modelo de atendimento de emergência. Como não há um sistema ambulatorial funcionante, criou-se uma demagogia assistencial, baseada em prontos socorros e atendimentos de emergência (UPAs), que não conseguem atender os casos reais de urgência, e ficam abarrotadas por mais de 90% de não emergência. Nisso se revela a falência do atendimento médico. Pois o principal recurso que o clinico tem à mão é o recurso do tempo - o tempo que vai ser preciso para observar o problema e chegar a uma conclusão mais segura. Ou do tempo preciso da intervenção imediata.
Nenhum médico, por mais brilhante que seja, consegue fazer um diagnóstico seguro de processos agudos nas primeiras 48 horas. Desses processos, cerca de 85% revertem espontaneamente, sem que se tenha, na maioria das vezes, um diagnóstico específico. O próprio organismo se movimenta, se mobiliza e realiza a cura. Mas o que temos hoje estruturado como cultura médica de emergência, que já influenciou a população, é que, no primeiro dia de febre, as pessoas já correm para uma unidade de atendimento de emergência– seja pública ou conveniada com algum plano de saúde. E nelas se construiu uma cultura intervencionista extremamente perigosa para a saúde das pessoas.
Um fato grave, do qual o público não tem noção, é que a intervenção que bloqueia os sintomas nos processos agudos, perturba grandemente a regulação do organismo, criando condições para a cronificação do problema e gerando doenças crônicas a médio ou longo prazo. Por isso aconselho as pessoas outro tipo de comportamento diante de processos e sintomas agudos, de que são acometidas. Aguarde, dê ao organismo o tempo de mobilização, dê-lhe o tempo para a cura. Pois isso pertence à dinâmica do sistema, que ninguém pode mudar.
Na correria da vida quotidiana, as pessoas querem reverter as coisas no primeiro dia. Por exemplo, uma virose aguda, uma virose respiratória aguda tem o seu tempo, é do conhecimento geral. Existe o tempo da fase aguda até 48 horas, a contra-fase de dois ou três dias, e a convalescença. Dependendo da intensidade, uma virose mais leve tem um curso de adoecimento que dura em média 5 a 7 dias, e uma virose mais intensa um curso de 10 a 15 dias. O organismo tem o seu tempo, quer se trate de uma pessoa transbordando de energia, ou de alguém que tenha menos energia e menos vitalidade. O tempo da pessoa com menos vitalidade tende a se prolongar. Mas, um jovem saudável terá um tempo menor. Ele pode fazer uma recuperação mais rápida, mas é o tempo do organismo. E ninguém vai mudar esse tempo.
O que a medicina precisa fazer é respeitar esse tempo. Mas a medicina alopática intervencionista intervém, sem respeitá-lo. Assim fazendo, ela coloca em risco a saúde das pessoas. Esse risco é escamoteado, não lhes é revelado. Na maioria das vezes por completa ignorância médica do problema. Por exemplo, quando se usa um antibiótico para amigdalite – seja na amigdalite viral, quando não se deveria usá-lo, seja na amigdalite com algum componente bacteriano, aumenta em 8 vezes o risco de recidiva dessa amigdalite, nos próximos dois meses. É o que presenciamos no dia-a-dia da medicina intervencionista. Depois da intervenção, retorna a amigdalite, retorna a faringite. Então a medicina interpreta isso como uma ausência de resposta ao antibiótico, e recorre a antibióticos cada vez mais fortes. Isto é um perigo para a saúde das pessoas.
Gostaria de deixar aqui este alerta, sobre o perigo envolvido nessa forma de intervenção. Deveríamos ter uma medicina completamente diferente: que não fosse intervencionista, que desse tempo ao organismo quando estivesse experimentando processos agudos. É muito importante conhecer a dinâmica do organismo nos processos agudos. No atual quadro de dominância das doenças crônicas, as agudizações são processos que o organismo utiliza para afastar o risco das doenças crônicas. Quanto menos processos agudos no organismo, tanto maior o risco de doenças crônicas.
Os clínicos da medicina natural e integral desenvolvida na Alemanha costumam dizer que a pessoa com câncer geralmente não se lembra da última vez em que gripou. Isso revela que ela já estava em doença crônica há muito tempo. Quem tem doença crônica não faz quadros agudos de gripe. Quem os faz são pessoas que conseguem mobilizar o sistema imune. Nelas o sistema imune ainda está mobilizável, não está bloqueado como nas pessoas com doenças crônicas.
É preciso que os médicos tenham essa noção, para que os processos agudos sejam utilizados de forma favorável ao organismo, pois hoje ele está exposto a uma enorme quantidade de sobrecargas que levam ao desenvolvimento de processos crônicos. A atitude certa é justamente o contrário da que se pratica: não intervir, deixar que o organismo use o processo da agudização – como no caso da virose – para se mobilizar, para se desintoxicar, para reativar o sistema imune, e com isso afastar os riscos da doença crônica.
As doenças crônicas dominam amplamente a cena médica atual. São as doenças arrastadas que os médicos dizem ser incuráveis como: o diabetes, a hipertensão, o câncer, as doenças auto-imunes, as alergias, a asma, as doenças inflamatórias intestinais, as doenças cardíacas, etc.