Entrevista 1
É com grande satisfação que publicamos esta entrevista com o Dr. Eduardo Almeida cuja contribuição para o nosso trabalho tem sido relevante, porque como evidenciam as respostas abaixo, afirma que "não existe uma só medicina, mas várias medicinas e sistemas médicos, uma vez que temos várias culturas e uma pluralidade imensa de pensamento na evolução da humanidade". Assim ele fala dos limites da doutrina médica oficial e indica possíveis caminhos já disponíveis para a superação.
1) Como o senhor tomou conhecimento da medicina biológica alemã e o que o motivou a trabalhar nesta área?
R: Comecei como médico alopata clássico. Depois de algum tempo conclui sobre os limites da alopatia e o seu grau de toxicidade. Percebi que o médico havia perdido seus recursos terapêuticos e tornou-se completamente dependente da indústria farmacêutica. O médico se preocupa basicamente com o diagnóstico e deixa a terapêutica para a indústria farmacêutica. Como a terapêutica é a ação médica que interessa ao cliente, pois esse último está interessado na sua melhora e não em nomes de doenças, resolvi trilhar pelo caminho amplo da terapêutica médica ao assumir que a alopatia não seria o único. Saí em busca de todo o patrimônio terapêutico disponível. Contatei as medicinas anciãs como a Chinesa e Ayurveda e cheguei até a medicina biológica alemã. Nessa linha escrevi o livro: “As Razões da Terapêutica” – Empirismo e Racionalismo na medicina” publicado em 2002.
2) O senhor é enfático q uando lhe perguntam "qual é a sua especialidade" em responder: " trato de gente, não de doença". Explique sua posição.
R: Doença não existe. Doença é uma abstração. A medicina oficial é uma medicina centrada na doença, ou seja, o seu objeto é a doença. Um objeto de conhecimento é construído pelo próprio conhecimento. A medicina oficial constrói a doença e lhe dá vida (doença como entidade específica). Assim ela se relaciona com a doença - sua criação (relação médico - doença) que é uma generalidade, pois ela não tem instrumental para acessar ao indivíduo. Ora, o que existe e é real é o indivíduo doente, portanto trato pessoas doentes e tento valorizar ao máximo os aspectos da individualidade, pois não existem dois indivíduos iguais nesse mundo.
3) Quais foram as causas do afastamento da medicina da noção de vida e natureza? Onde teve início o elo perdido da medicina?
R: Quando ela assumiu o reducionismo químico e incorporou na sua terapêutica o uso exclusivo das substâncias químicas estranhas ao organismo (alopatia) na segunda metade do séc. XIX.
4) Houve um tempo em que a medicina não era considerada uma área das ciências, tanto que muitas das suas maiores descobertas não foram feitas por médicos, mas por artistas, como Leonardo da Vinci e Michelangelo. O senhor aborda a medicina como arte, assim como era no passado, mas teve formação acadêmica voltada para a medicina enquanto ciência. Como é praticar uma medicina não convencional vivendo num sistema convencional?
R: Não existe ciência que possa dar conta do ser humano. Um sistema vivo extremamente complexo tanto em termos biológicos do corpo físico, quanto nos seus demais corpos, sejam os sutis (bioelétrico, mental, vital, anímico) seja em termos culturais (corpo social, corpo familiar). Que ciência dá conta de tudo isso?? Somente a arte pode articular as várias instâncias do conhecimento humano e colocá-los em termos de uma doutrina médica. O médico terá que buscar esses conhecimentos nas várias ciências, mas também na tradição cultural, nas religiões, nos poetas, nos artistas, etc.
5) É possível haver uma zona de convergência entre as duas visões, ou elas são completamente divergentes?
R: Claro que é possível. Todo conhecimento deve ser colocado a serviço do alívio do sofrimento humano e a alopatia é um instrumento importante. O problema é o discurso hegemônico da alopatia e sua trajetória de perseguição e caça às bruxas.
6) Com que princípios trabalha a medicina biológica alemã? Qual a diferença da medicina biológica, natural e integral? É tudo a mesma coisa?
R: A medicina biológica alemã nasce da dissidência médica quando a medicina cai no reducionismo químico mecanicista. A MB dizia que o organismo humano não pode ser reduzido aos processos químicos. Ele é um sistema biológico de alta complexidade e que a medicina deveria dar suporte aos grandes processos biológicos que acontecem no organismo, e que mantêm a vida. Não é por acaso que os médicos biológicos de hoje chamam a sua medicina de medicina de suporte à vida. A medicina biológica busca ser natural e integral. Tais nomenclaturas tendem a acentuar determinado aspecto da prática.
7) O senhor fala dos malefícios da poluição eletromagnética das antenas, das freqüências de FM, do microondas, do celular, de todos os aparelhos wireless (sem fio), mas como não usá-los num mundo tecnológico como o de hoje? E aqueles que trabalham com isso, como podem se proteger de influências nocivas a sua saúde?
R: Não tenho solução de como evitá-los. O problema é que a medicina e a biologia clássicas centradas na química dizem que as radiações não térmicas não causam problemas, ou na melhor das hipóteses dizem que não existe nada provado. Ora, o organismo vivo é um sistema completamente regulado por processos eletromagnéticos. Como que a poluição eletromagnética não influencia esse organismo?? Pesquisas revelam que 1 minuto de uso de telefone celular já é capaz de afetar a barreira hematoencefálica, que é um mecanismo fundamental para o funcionamento cerebral. Poderíamos reduzir o uso do telefone celular, usá-lo apenas em emergências, mas o que estamos vendo é uma mudança radical para o mundo wireless, e tudo que é wireless provoca poluição eletromagnética. Como as pessoas não têm informação sobre isso, elas optam com tanta facilidade para telefones sem fio, mouse e teclado sem fio, bluetooth, etc..
8) No Brasil não temos a cultura da prevenção, mas sim a da emergência. Como disseminar os princípios de retorno à natureza, ao não imediatismo da ''''empurroterapia'''' das farmácias, para uma população carente e ignorante de novos horizontes em relação a área de saúde?
R: Melhorar os níveis educacionais e de consciência das pessoas. Uma sociedade sem informação é uma presa fácil para as farmacêuticas. Ainda achamos que consumir remédios químicos é sinal de progresso social.
9) O senhor diz no livro "O Elo Perdido da Medicina" que se não trabalhar com a causa do processo não há cura. Explique melhor essa colocação.
R: A medicina não trabalha com a causa e sim com a conseqüência - a lesão. O foco central da medicina é a lesão do órgão ou tecido, daí ela classifica a lesão e dá um nome de doença. Mas, está implícito nesse pensamento que a lesão é a sede e a causa da doença. Mais do que isso, a lesão é a própria doença. Ora, quais foram os fatores responsáveis pelo aparecimento da lesão? Isso a medicina oficial nunca pergunta. Se você não atua na causa como pode curar.
10) Por que o senhor considera as doenças crônicas (obesidade, diabetes, hipertensão, câncer, arteriosclerose, artrose) como doenças da civilização?
R: Essa é a classificação epidemiológica da OMS e seus países membros. As doenças crônicas representam hoje 90% do adoecimento humano, e a medicina oficial é completamente desequipada para abordá-la. É fácil compreender isso. A medicina oficial é também chamada de medicina heróica salvadora de vida, pois a sua grande habilidade está na abordagem do paciente lesional. Aqui ela está em casa, ou melhor essa casa é o hospital, local de doentes lesionais. Os doentes crônicos não estão em hospitais, estão vivendo suas vidas com uma série de limitações. Dar remédio para controlar a pressão na hipertensão arterial seria um pequeno aspecto do problema como se fosse a ponta do iceberg. Está se atuando na periferia do processo. O que está acontecendo nesse organismo que fez elevar a pressão arterial ?? Ninguém faz essa pergunta. Para mim hipertensão arterial é quase sempre sobrecarga (os vários tipos de stress) do organismo, que leva a desequilíbrios chamados catabólicos degenerativos. É o processo catabólico degenerativo (dinâmica do metabolismo celular) que deve ser abordado preferencialmente.
11) Foi na Alemanha, durante a Revolução Industrial com suas grandes tinturarias e seus corantes, que a medicina se rendeu à química em detrimento da biologia ao identificar os diversos germes pelo uso das cores. Não é curioso que nos séculos XX e XXI seja exatamente na Alemanha que tem início a retomada de uma medicina biológica? Como o senhor entende a origem de dois processos distintos partindo em épocas diferentes exatamente no mesmo país?
R: Essa é a dialética que acontece em qualquer processo. A contradição do reducionismo químico foi muito melhor percebida no seu berço do que num outro país da periferia da dinâmica produtora daquele conhecimento agora hegemônico.
12) O senhor disserta sobre os malefícios que a ''''big farma'''' produz ao organismo e credita a causa de muitas doenças à toxicidade produzida pelo uso abusivo e desnecessário de medicamentos por conta do poder econômico e político que essa indústria exerce sobre a sociedade. Como enxergar uma saída deste cenário? Onde as terapias complementares entrariam na quebra deste circuito?
R: Eu devo simplesmente emitir os pontos de vistas de um estudioso do campo, que busca ampliar os horizontes médicos. Cabe aos agentes sociais se apropriarem dessas idéias e as viabilizar no pequeno ou no grande espaço social. A medicina é um sistema cultural. A medicina oficial é a medicina adequada para a sociedade materialista, consumista, egocêntrica, antropocêntrica, imediatista e sem qualquer vínculo com a vida e a natureza. Basta mudar o foco que o anacronismo surge logo. Por exemplo, ao invés do principio antropocêntrico e cartesiano migrássemos para o princípio biocêntrico, ficaria claro que a medicina oficial seria um retrocesso.
13) Como trouxe credibilidade ao seu trabalho vivendo dentro de uma medicina oficial que pensa na doença e não na vida? Fez palestras, cursos, enfim, como se deu a conhecer? Sofreu represálias?
R: Fiz uma carreira respeitável na medicina oficial e, assim, assumi legitimidade para falar dos dois campos. O que frequentemente assistimos, é o médico oficial emitir suas opiniões, quando está falando das medicinas alternativas, sobre algo que nunca estudou, nunca viu ou teve experiência, ou no mínimo parou para observar a prática. Simplesmente afirma que tal prática não tem sustentação científica, como se a medicina fosse a guardiã da ciência. Nada mais equivocado e preconceituoso. Exprime a ideologia cientificista tacanha de um discurso que pretende estabelecer hegemonia entre sistemas culturais.
14) O que é um organismo em equilíbrio e saudável?
R: A OMS diz que saúde é o perfeito bem estar físico, mental e social. É uma definição absolutamente abstrata e não operacional, portanto muito criticada. Prefiro admitir o ser humano como um sistema complexo em processo permanente de interação, onde saúde seria a capacidade desse sistema interagir e produzir respostas integradoras. A saúde seria um processo dinâmico. Você pode estar saudável agora e acontecer um grande trauma na sua vida e você não ter condições de processá-lo e adoecer. Aqui a doença deve ser vista como a melhor resposta que seu organismo foi capaz de elaborar e a abordagem médica deve considerar esse fato básico e não achar que uma vez dado o nome da doença está resolvido o problema.
15) Acredita no poder da autocura?
R: Claro que eu acredito. Todo médico deve ter a humildade e se reverenciar diante do organismo humano. Se ele assim o fizer saberá que quem cura é o organismo e a natureza. Mark Twain com perspicácia já havia percebido isso quando disse: “Deus cura e o médico manda a conta”.